Veganismo: nem de esquerda, nem de direita?

Os usos dos termos veganismo, direita e esquerda têm sido feitos muitas vezes de forma confusa, errônea, precipitada ou mal-intencionada. Pudera, são todos centrais no cenário político tão dramático no qual nos encontramos. Porém, é possível discernir com segurança alguns aspectos básicos de cada um desses conceitos, a fim de entender melhor como o veganismo pode ser caracterizado politicamente de forma consequente com seus princípios éticos.

Bem, primeiramente vamos definir o que é fundamental para a caracterização de um posicionamento à esquerda, partindo da premissa de que se propõe aqui um debate que se dirija à raiz dos problemas ligados às desigualdades em termos de raça, classe, gênero e espécie.

Poderíamos elencar assim os seguintes pontos como defendidos no sentido proposto: igualdade radical e soberania popular (tecnológica, alimentar, geopolítica e assim por diante). Por outro lado, normalmente a direita defende uma concepção de igualdade formal e não defende a soberania popular, mas uma vertente ou outra da liberdade individual com base na competição (estamos falando aqui de direita moderada ou centro-direita e não da extrema direita).

Certamente, essa é apenas uma primeira aproximação aos conceitos e chegando mais perto deles percebemos que há variações, matizes e diferenças significativas entre perspectivas de pessoas, partidos, coletivos e outros grupos. Mas a base é a que foi apresentada acima e essas pessoas ou esses partidos, coletivos e outros grupos partem delas para se definir enquanto agentes políticos (podendo defender uma variação mais moderada ou mais radical dos princípios ideológicos em questão que poderão ser considerados em textos futuros).

Vale ressaltar que há ainda muito mais por ser discutido a respeito das ideologias de esquerda e direita, pois essa é uma questão importante e complexa sobre a qual devemos nos demorar para refletir com mais rigor sobre nossas ações e objetivos do ponto de vista socioambiental mais amplo.

Nesse momento, contudo, nosso foco é entender onde o veganismo se encaixa nesse debate. Sem dúvida nenhuma, o veganismo se alinha à esquerda uma vez que as causas defendidas pelo veganismo são intrinsecamente anticapitalistas. A defesa dos animais outros que não humanos é feita com base em princípios como o de vulnerabilidade, cuidado, empatia, respeito às diversas formas de vida, interdependência e mutualismo ou solidariedade.

Mas, além disso, o veganismo anticapitalista questiona o modo de produção e os hábitos de consumo ligados à exploração animal e humana. Isso envolve uma responsabilidade ecológica pelo mundo e pelos seres que o habitam. Expressa uma concepção mais radical e coerente de igualdade e amplia o significado do que seja soberania popular – se tornando um contraponto forte às políticas autoritárias e ao desenvolvimentismo ou a qualquer perspectiva política que não faça a crítica ao especismo e suas consequências práticas.

Levando esses fatores em consideração, é possível perceber que o veganismo liberal se torna incoerente por não questionar a fundo as causas da exploração animal e a relação entre exploração animal, humana e a depredação do meio ambiente. Isso ocorre pelo fato de que o veganismo liberal é compatível com a cadeia produtiva que gera toda a violência e destruição que está em curso.

Analisar o agronegócio e a indústria da carne já é suficiente para perceber a razão disso: pessoas adoecem e morrem devido aos agrotóxicos, milhões de animais são abatidos todo ano e, além disso, pesquisas indicam que aquelas pessoas que trabalham em matadouros apresentam forte tendência a acometimentos na saúde mental.

O desequilíbrio ecológico causado por essas práticas se manifesta de múltiplas maneiras em cada parte do planeta, mas temos dois fenômenos que podem ser citados aqui: a pandemia de Covid-19 e a mudança climática. São dois fenômenos preocupantes, ainda mais quando associados a outros já mais conhecidos, como a fome por exemplo.

Assim, temos perfeitas condições para dizer que o veganismo político não apenas se alinha completamente à esquerda radical, mas que apresenta propostas muito consistentes e coerentes para o enfrentamento das mazelas socioambientais causadas pelo capitalismo e suas práticas de destruição da natureza.

É fundamental buscarmos conhecer mais as pautas do veganismo; o tempo é de mudança e só poderá ser para melhor se aprendermos e radicalizarmos nossas práticas no intuito de construir coletivamente as condições materiais, ambientais, sociais, econômicas e culturais para uma vida efetivamente boa e justa para todes.